21/11/12

“HISTÓRIAS À VISTA” - 22

          22.ª “HISTÓRIA À VISTA”, na forma de mais uma memória do 1.º Comandante do Navio de Apoio “NRP São Miguel” - CMG REF Oliveira e Costa (1985-1988), versando sobre os preparativos da viagem do navio a Moçambique.
 
MEMÓRIA N.º 7: … coisas sem importância do “nosso” navio!
 
          Ter servido no NRP “São Miguel” foi uma experiência de vida inolvidável. Tenho a certeza que o mesmo reconhecimento perdura nos que ali prestaram serviço. Todos comungavam do mesmo espírito de missão! O navio chegara à Marinha, é certo, como um facto consumado… situação causadora de algum melindre para alguns, mas os que nele dedicadamente trabalhavam não eram, por isso, responsáveis!
          Continuo a não aceitar o fim a que o sujeitaram depois de tantos serviços concretizados demonstrando, de forma positiva, a sua valência como Navio de Apoio Logístico. Das diferentes missões atribuídas destaco, entre outras, o transporte de material, da Marinha e do Exército, tão diverso como equipamentos de comunicações, viaturas militares, material de guerra, Contentor Itinerante de divulgação da Marinha, material do Instituto de Socorros a Náufragos, da Cruz Vermelha Portuguesa, da UCCLA, produtos alimentares, carga congelada, material diverso de apoio às populações e até um cavalo transportámos, de Lisboa para o Funchal, além da participação activa em exercícios quer na vertente militar quer civil.
          Não posso deixar de ressaltar os dois lançamentos ao mar de munições sentenciadas com uma ida à Madeira pelo meio! O primeiro, em JUN86, de mais de 900 toneladas de munições da Marinha, Exército, PSP, GNR, GF e INDEP e, o segundo, em JUL86, de cerca de 700 toneladas, tudo executado sem alarido e com modéstia, como é apanágio da Marinha, mas onde hoje, reconheço, não ter sido a melhor atitude para divulgação das nossas possibilidades e capacidades.
          As peripécias do embarque e lançamento ao mar deste material ficarão para uma próxima memória… pois ilustra bem o cuidado e atenção que nos dedicavam. “… em perigos esforçados… dizia o poeta e nós… também!”. Na primeira viagem embarcaram 12 soldados para “ajudar”. Durante o embarque do material diversas situações, por nós consideradas de muito perigosas, foram pontualmente comunicadas por telefone ao CNC, aliás como toda a actividade durante a faina de carregamento. “Ficavam cientes” apesar da gravidade da maioria dos relatos… sem comentários!
          Durante o primeiro carregamento recebemos várias visitas do Cte. Leitão Rodrigues e do Eng.º Valente. Durante o segundo carregamento recebemos, e por uma só vez, a visita do Cte. Burguette! O “São Miguel” foi afundado 32 anos depois da data do seu lançamento dos quais os últimos 8 anos foram ao serviço da Marinha Portuguesa. Com uma guarnição de 30 homens, era um navio económico e resistente que, na altura, poderia desempenhar as funções de um Meio Naval de Apoio Logístico. Mas aquela pecha na sua aquisição fez com que, desde o inicio, fosse considerado como restrito e inadequado para o desempenho das funções que a Marinha lhe decidiu atribuir “à posteriori”!
          Apesar das sempre diferidas beneficiações relacionadas com o bem-estar da guarnição nunca isso foi justificação para esmorecer o seu empenho no cumprimento das missões atribuídas. Tínhamos sido os “escolhidos”, os “eleitos”, para proteger e introduzir o “São Miguel” na sua nova família e com que alegria e entusiasmo o fazíamos! A actividade de bordo era genericamente diferente da verificada a bordo das unidades militares. Não tínhamos formação ou treino de carga, estiva e transporte, valência específica do navio, assunto que nos merecera desde logo a nossa atenção, muito em especial do Imediato e do Mestre.
          Todos tínhamos de ser generalistas. Aprendíamos depressa! Cedo ganhámos a certeza de poder ocupar e desempenhar as funções que nos seriam cometidas no cumprimento das Missões e Tarefas da Marinha! Conhecer o navio “com luz e às escuras era mandatório” assim como todo o material relacionado com Segurança e Meios de Salvação. Ignorância ou menos cuidado nestas matérias era inaceitável. Assim todos conheciam da existência, localização, sua identificação e utilização bem como dos cuidados durante e após a utilização desse material.
          Um Circuito de Alarme constituído por 12 campainhas, comandadas da Ponte, cobria as áreas habitáveis. Na Segurança sobressaia o material para detecção e combate a incêndio, além das mangueiras e extintores de pó químico e de CO2, duas Máscaras de ar comprimido localizadas uma na casa de navegação, na Ponte, e a outra na casa da máquina, junto à porta de saída a BB, para o corredor dos camarotes.
          Duas Lâmpadas DAVY, para detecção de gases inflamáveis, guardadas na casa do material LA, junto à entrada do refeitório. Três Fatos de Amianto, um na casa de navegação, na Ponte, e os outros dois na casa do material LA. O Avisador de Incêndio constituído por um sistema de detecção de fumo compreendia uma instalação de tubos que ligavam os porões a um detector de fumo situado na Ponte.
          Este sistema de detecção estava conjugado com o Sistema de Extinção de Incêndio, por gás carbónico. Nos meios de salvação existiam quatro Speed-Lines localizadas, na Ponte, duas a cada bordo. Um Aparelho de Vai-e-Vem de Salvação com Bóia Calção localizado na Ponte alta (Parque de Antenas). Coletes Salva-vidas de dois tipos, os de enchimento automático e os constituídos com material flutuante.
          A cada elemento da guarnição foi distribuído um colete de enchimento automático. Oito Bóias Circulares de Salvação, duas nas asas da Ponte e duas junto às baleeiras, tendo amarrado um aparelho de luz e de fumo. Duas no pavimento das baleeiras, junto das escadas que dão para ré, com aparelho de luz e, a ré, as outras duas, uma a cada bordo defronte das portas de acesso aos alojamentos da guarnição.
          Em cada suporte, das bóias circulares de salvação, estava amarrada uma retenida. Duas Jangadas Pneumáticas, para 20 homens cada, colocadas nas asas da Ponte e duas Embarcações Salva-vidas, uma a cada bordo, em fibra de vidro com a lotação de 50 pessoas cada. A de BB era motorizada e a de EB à vela.
          Um Aparelho Radiotelegráfico Portátil e uma Baliza Radiotelegráfica, colocados na Ponte, junto ao leme e prontos para serem transportados para qualquer embarcação Salva-vidas, em caso de emergência. As embarcações suspensas em Turcos de Gravidade, exigiam somente um homem para a sua manobra e, a cada bordo, para as servir, dispunham de uma Escada de quebra-costas.
          Existiam igualmente Fachos Holmes e Fachos de Fumo de cor alaranjada, estes presos às bóias circulares. Os fachos que não estavam a uso encontravam-se guardados na Ponte, em armário próprio. Sinais de Socorro Luminosos Vermelhos com pára-quedas estavam guardados na Ponte e nas embarcações Salva-vidas.
Simplicíssimo… coisas sem importância do “nosso” navio!
 
          Tínhamos tirado, é certo, o “Cabo Verde” da Marinha Mercante… mas ninguém conseguira que o “São Miguel” deixasse de ser um Navio Mercante!
 
Um saudoso abraço ao Oficial Imediato e ao Sr. Mestre.

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