12/07/15

HISTÓRIA À VISTA - 40

          Mais uma "História à vista", da autoria do VALM REF Adriano de Carvalho, redigidos em formato de Resenha Histórica do seu percurso profissional.
 
CAPÍTULO N.º II: "Fragata Corte Real"

          A minha comissão na Escola de Mecânicos terminou em Fevereiro de 1957 para voltar à América e fazer parte da guarnição de uma das duas fragatas que os EUA nos iam ceder ao abrigo da Nato e que veio a ser a “Corte Real”.
          Foi assim que nos primórdios de 57, embarquei certo dia, como mais antigo de parte da guarnição, entre os quais o Garcia Dias, e mais alguns Sargentos e Praças num avião “Constelation” fretado à Air France, com destino a New York. A viagem correu bem até às proximidades de Gandara, na Terra Nova, depois de termos feito escala em Sta. Maria.
          Passámos então pelo susto causado por uma tempestade de neve. O Comandante do avião veio falar comigo, em segredo, que devido à tempestade estava impedido de aterrar em Gandara na Terra Nova e que ia tentar fazê-lo numa base americana no Norte da Ilha, por ser a única que dava assistência electrónica a aterragens sem visibilidade. Perguntei-lhe se tal não fosse possível qual era a alternativa. Respondeu-me que não havia gasolina para mais! Só contei a situação ao Garcia Dias para não alarmar mais ninguém.
          Lá conseguimos com grande perícia do Comandante aterrar numa pista cheia de neve que apenas ficou visível a escassos metros, depois de uma fase de grande incerteza e preocupação. No dia seguinte voámos então para Nova Yorque. Aqui a Navy meteu-nos num avião muito ronceiro com destino a S. Francisco.
          Quando olhei para aquele avião tive sérias dúvidas se ele conseguia levantar voo. Efectivamente só no fim da enorme pista do aeroporto conseguiu deslocar e lá subiu muito a custo. Não passava de um cargueiro onde tinham sido posto algumas cadeiras. Fizemos uma escala em Oklaoma e depois ao atravessar as Montanhas Rochosas, apanhámos um poço de ar que nos pôs em queda livre por mais de 1000 metros e nos encostou o estomago à boca.
          Ao fim de mais de 18 horas de voo lá chegámos finalmente a S. Francisco, onde se encontravam os dois navios. Aí estivemos cerca de três meses numa situação curiosa. Os navios continuaram a ser americanos durante algum tempo e a guarnição era mista, ou seja, americana e portuguesa em partes sensivelmente iguais. Foi uma experiência inédita e devo dizer que pelo menos no meu navio que se chamava US “Mc Coy Reynolds”, tudo correu pelo melhor. Os americanos eram tipos simpáticos e convidavam-nos para as suas actividades sociais extra-serviço, especialmente para os partys em que levavam as respectivas mulheres.
          Diga-se de passagem que eles eram quase todos “warrant officers” (milicianos) e tecnicamente quem aguentava o navio eram os sargentos-chefes que de facto eram bons. Até que certo dia a bandeira mudou e os navios passaram a ser os NRP’s “Corte Real“ e “Diogo Cão”. No entanto tudo continuou na mesma e apenas se começou a beber cerveja a bordo, metida na cantina, coisa proibida nos navios americanos.
          Lembro-me que o funcionário americano do detalhe que era muito útil para requisitar sobressalentes (sabia os “stocks numbers” quase de cor) passou a render muito mais, porque tinha sempre uma cerveja à mão e em vez de sair às 5 da tarde só saía às oito. O pior é que teve a triste ideia de se gabar para os camaradas dos navios próximos.
          A coisa chegou aos ouvidos do Almirante americano Comandante da Base e saiu a ordem que os marinheiros americanos, mesmo nos nossos navios, não podiam beber bebidas alcoólicas. As refeições também passaram a ser da nossa alçada, mais gordurosas e os americanos gostavam, mas começaram todos a engordar…
          E o tempo foi-se passando alegremente, até porque os Oficiais americanos que tinham vindo com o navio do Havai, andavam sempre em partys. Já o mesmo não sucedia na “Diogo Cão” onde todos eram mais “chatos”, americanos e portugueses. No meu navio estavam também o Silvano Ribeiro, o Ramos de máquinas etc. O Imediato era o Cten. Patacho e havia boa disposição.
          Entretanto o período de três meses de transmissão dos navios chegou ao fim e tivemos que deixar S. Francisco, cidade muito interessante, um pouco semelhante a Lisboa e também assente em sete colinas e com uma ponte igual à nossa. Tive pena e também perdi o prazer de alguns fins-de-semana que passava em casa de um tio meu, emigrante já nacionalizado, que morava em Antioch, a 100Km de S. Francisco.
          Seguimos já entregues a nós próprios para S. Diego, onde teve lugar o treino básico durante cerca de um mês. Foi trabalhoso e rigoroso, mas tínhamos os fins-de-semana para espairecer e era fácil encontrar raparigas simpáticas. Por vezes atravessava-se a fronteira até ao México que era próximo. Só foi triste que o Comandante da “Diogo Cão” (Com. Teixeira) fosse uma negação para a manobra o que nos envergonhou algumas vezes, ao contrário do meu (Com. Vieira Lopes) que era muito mais desembaraçado.
          Metendo mais um parêntese, lembro-me de que todas as tardes aparecia uma senhora já “entradota” mas muito bem vestida e conduzindo um “Buik”, para vir buscar um dos nossos cozinheiros que não percebia nada de inglês. Lá se entendiam não sabemos como. O pior é que mais tarde pediu para falar com o nosso Imediato para pedir em casamento a mão do nosso cozinheiro!
          O Patacho fez-lhe saber que o cozinheiro era casado, pelo que a senhora teve um grande choque e desgostosa nunca mais apareceu. O cozinheiro ficou assim sem os seus frequentes passeios…
          De resto em S. Diego também se passou um tempo agradável nas folgas e tivemos ocasião de contactar a colónia portuguesa na Califórnia que ao contrário da existente na costa oeste (New Wark), era bastante próspera e com base em gente da Madeira.
          Houve também uma cerimónia de inauguração da estátua do navegador português Cabrillo que ao serviço da Espanha foi o descobridor da Califórnia. Para esta cerimónia já esteve presente o Alm. Sarmento Rodrigues, que veio para comandar o grupo das duas fragatas. Era um homem afável e eficiente que simpatizou comigo, até porque muitas vezes lhe servi de intérprete com os americanos.
          Foi aí que o Ten. Parente conheceu a futura mulher, uma luso-americana, que ele namorava levando o casaco à sport do Garcia Dias. Largámos com algumas saudades de S. Diego e havia que cumprir então um programa de visitas de agradecimento aos pequenos países da América Central que ainda votavam por nós na ONU, no problema emergente da descolonização.
          Assim visitámos a Guatemala, S. Salvador, Manágua, Costa Rica, Panamá e depois já no Atlântico, S. Domingos, Cuba e finalmente chegámos a Norfolk onde teve lugar um grande desfile naval internacional, comemorativo do 2.º Centenário da chegada dos primeiros colonos ingleses à América (Virgínia).
          Todos os países latinos visitados mostravam à evidência o seu subdesenvolvimento e já nessa altura havia conflitos entre eles. No entanto em S. Domingos, ofereceram-nos um Party animado pelo grupo de baile da Banda da Marinha que nos tinha recebido no cais à chegada. Na nossa retribuição pedimos o empréstimo do grupo, de que resultou outro party de arromba. O nosso Imediato descobriu que quanto mais cerveja dava aos músicos, mais e melhor tocavam.
          Daí que já em Norfolk, depois do desfile naval, no sábado seguinte, em que pelo programa, todos os navios atracados ofereciam party’s aos visitantes civis, se tivesse apresentado voluntariamente ao nosso Imediato o referido grupo de baile, (abandonando as suas fragatas) no fito de mais cerveja…
          Resultou então que o party dos nossos navios foi o mais famoso e teve honras de reportagem da revista Time, com fotografias e tudo. Daqui aconteceu que uma “amiga da onça” cá em Lisboa, fosse mostrar a revista à minha cara metade, onde eu aparecia a dançar com uma americana, fazendo as honras da casa, como era meu dever…
          Vem ainda a propósito dizer que gostei de Havana, onde ainda não tinha aparecido o barbudo do Fidel, e a cidade era uma estância de turismo dos americanos, com muitos casinos e locais de divertimento. Apareceu-me lá com o seu carro, uma moça bonita mas gordinha que aparentava ser bastante rica e que me quis conhecer por ter visto a minha fotografia num jornal qualquer e me achar bastante parecido com um seu irmão. Convidou-me para vários clubes chiques de dança (ao ar livre com frondosas palmeiras) mas sempre acompanhada da chaperon. Mais tarde fiquei a pensar o que teria acontecido a essa gente com a revolução em Cuba.
          Após os festejos de Norfolk, apareceu-nos a bordo uma missão americana a informar que havia um programa de modernização dos navios da nossa classe, incluindo novos radares, novo mastro e remodelação do CIC. Propunham entregar o material e os “blue prints” e nós trataríamos da respectiva instalação em Lisboa. Respondemos que isso a ser feito em Lisboa no nosso Arsenal levaria à paragem dos navios por mais de um ano enquanto no Arsenal de Norfolk não levaria mais de dois meses. A nossa tese (minha e do Wagner que era o electrónico da (D. Cão) acabou por convencer os americanos.
          Para tal foi muito importante a ajuda do Alm S. Rodrigues. Lá passámos o verão em Norfolk, com bastante calor a bordo, já que os navios estavam mal concebidos para o verão e a respeito de conforto eram fraquinhos, pois tinham sido feitos em série para a guerra. Vi pela primeira vez ser aplicado o método Pert na Navy. Com efeito o planeamento dos dois meses destinados aos fabricos foi cumprido à risca.
          Apareciam a bordo os operários “capitalistas” de que os nossos marujos diziam fazerem mais cera que os nossos do Arsenal do Alfeite. De facto eles tinham umas tantas horas para fazer o trabalho que lhes estava destinado e uma vez feito, ficavam na conversa connosco e a fumar charuto até à hora da saída. Não podia ser mesmo de outra forma se não “interpigaitavam” o sistema.
          Quanto à vida social em Norfolk era fraca já que a terra se resumia a pouco mais do que a Base Naval. Apesar de tudo havia um grupo de moças que de vez em quando apareciam pela C. Real com grande inveja da D. Cão.
          Findo o tempo dos fabricos largámos finalmente, ao fim de nove meses de América, com destino a Lisboa via P. Delgada. Começou então uma vida de bastantes saídas para exercícios nacionais e Nato. Mantive-me na C. Real até aos fins de Novembro de 1958, tendo sido louvado pelo Com. Vieira Lopes de que também fiquei amigo. Foi um navio de que guardo também saudades e até porque tínhamos uma Câmara de Oficiais bons camaradas, como era o caso do Eng. Ramos, o Garcia Dias, o Silvano Ribeiro, o Eng. Melo Sampaio, o Parente, o Patacho, etc.

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