04/09/25

HISTÓRIA À VISTA - 41

         Retomando a rúbrica "História à vista", a seguinte é da autoria do Cte. António Raposo (CTEN FZE REF), então 2TEN - Cte. de Pelotão na CF n.º 21 do BF n.º 2, versando sobre a missão que constituiu o advento do PELBOARD.
 
E assim nasceu o PELBOARD?

       No dia 23MAI77, estando eu colocado na Escola de Fuzileiros, 2º Ten FZE como Comandante de Pelotão da Companhia de Fuzileiros nº 21 (CF21) do Batalhão de Fuzileiros nº 2 (BF2), fui chamado ao gabinete do Comandante da Escola, o saudoso Comandante Oliveira Monteiro, para me comunicar que o meu Pelotão tinha sido escolhido para uma missão especial e excecional – Embarcar na Corveta Jacinto Cândido (JC) N.R.P. 476 e fazer, integrado na guarnição, a sua comissão nos Açores. Seguiria também comigo, um segundo Pelotão de Fuzileiros comandado pelo Aspirante FZ Ribeiro, para guarnecer a outra Corveta que estava em comissão nos Açores, a Corveta Pereira D`Eça. Era a primeira vez que isso sucedia e não havia propriamente doutrina ou experiências anteriores, sobre missões desse tipo.
         Na altura não me foram dadas explicações para a razão desta estranha e inédita missão, nem eu as pedi, mas com o andar da missão e apos uma reunião, à chegada a Ponta Delgada, com o Chefe do Estado Maior (CEM) do Comando Naval dos Açores (CNA) o Capitão-de-Fragata Lopes Carvalheira, fiquei a saber que esta decisão do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), de reforçar a guarnição das Corvetas em missão nos Açores, com um Pelotão de Fuzileiros, tinha a ver com diversos acontecimentos ocorridos desde 1975, nomeadamente conflitos em terra, entre a população e as guarnições dos navios da Armada, que se tinham vindo a agravar significativamente nos últimos dias, de tal modo que o pessoal já nem saía de bordo, quando os navios estavam atracados.
         Pelas 10:30 do dia 26Mai77, embarquei com todo o Pelotão na Corveta JC, estacionada na Base Naval de Lisboa (BNL). Com menos de 72h após a ordem do CEMA, aí estavam os Fuzileiros a mostrar a sua prontidão. Desconhecendo o que nos esperava, fomos acompanhados do mais diverso tipo de material – diversos tipos de armas, munições, granadas de diverso tipo, capacetes, bastões, megafone, very-lights, mochilas, panos de tenda, redes mosquiteiras, cinturões, coldres, burnais, material para manutenção de armamento, etc.
         Largamos da BNL eram 14:00 do dia 26MAI77 e atracamos em Ponta Delgada (PDL) pelas 16:00 do dia 31Mai77, depois de uma escala de 48h no Funchal.
        Apesar de ter sentido por parte de toda a guarnição do navio, uma boa receção à “intrusão” dos Fuzileiros a bordo, colocaram se de imediato diversas questões relativas à atividade do pessoal Fuzileiro. Que tarefas poderão e deverão desempenhar a bordo? Com que enquadramento? Em que circunstancias?
         Não havendo dúvidas quanto ao empenhamento dos Fuzileiros, nos períodos em que o navio estivesse atracado, uma vez identificada a missão - segurança próxima do navio e do seu pessoal, ficava em aberto o empenhamento dos Fuzileiros, durante os períodos de navegação.
         Após algumas reuniões no Estado Maior do Comando Naval dos Açores, em que tive a oportunidade de participar, ficou decidido que o navio faria alternadamente, 4 dias atracado nos diversos portos da Região Autónoma, com 10 dias a navegar. Durante os períodos de mar, faria prioritariamente 2 tipos de missão: missões SAR (search and rescue) e fiscalização da pesca. Para além disto, o navio passaria a ter constituída a bordo uma permanente Força de Desembarque, com 3h de prontidão. Força esta, essencialmente constituída pelos Fuzileiros.
         Perante isto, havia que preparar e enquadrar os Fuzileiros para estas missões, enquanto o navio navegava e para as quais não havia qualquer doutrina ou experiências anteriores. Depois de algumas reuniões internas, com o Comando do navio e sempre com a concordância do Corpo de Fuzileiros, foi decidido o seguinte:
- O oficial FZ faria em navegação, quartos à ponte, mas apenas depois de vários serviços como adjunto do oficial mais antigo do navio, que o habilitaria a desempenhar essa tarefa. Assumi também as funções de Comandante da Força de Desembarque e Chefe do Serviço de Desporto e Lazer do navio;
- Os sargentos FZ´s fariam de adjuntos ao Sarg. de quarto à navegação e participavam na escala de serviço;
- Os cabos FZ´s fariam de adjuntos aos cabos de bordo, nas suas diversas tarefas e especialidades;
- Os marinheiros e grumetes FZ´s fariam de vigias à ponte e marinheiros do leme durante a navegação e depois de algumas sessões de aprendizagem. Passaram também a colaborar nas escalas de limpeza do navio, bem como nos trabalhos de pica e raspa, quando o navio estava atracado.
       Para além disso, ficou também acordado com o comando navio, os Fuzileiros desenvolverem acções de formação, junto da guarnição, em áreas específicos dos Fuzileiros, tais como: instrução de tiro de G3, Força de Desembarque e utilização / manuseamento dos botes Zebro III que existiam a bordo. Foram-nos também destinados Postos a bordo, para situações de Abandono e Combate.
         No que respeita ao emprego dos Fuzileiros, nas missões do navio a navegar, logo na primeira saída do navio, surgiu a necessidade de se proceder à vistoria de uma embarcação de pesca. A ordem de missão tinha vindo diretamente do Camando Naval dos Açores, só que a referida embarcação de pesca não respondeu aos avisos de paragem, pelo que nunca foi possível concretizar a vistoria. Apos este incidente, começamos imediatamente a estudar a bordo, soluções que nos permitissem em futuras situações ter capacidade de resposta para este tipo de problemas, nomeadamente: prontidão, formas e equipamento de abordagem das embarcações infratoras e outros diversos procedimentos. No fundo, soluções que hoje certamente farão parte das habituais missões do PelBoard. Ao longo de toda a comissão, acabaram por surgir outras oportunidades de vistorias e fiscalizações em alto mar, a embarcações quer de pesca, quer de outro tipo, que decorreram sem incidentes, recorrendo à habitual capacidade de desenrascanço dos Fuzileiros.
         Por decisão do Estado-Maior da Armada / Corpo de Fuzileiros, e aproveitando uma Corveta que regressava a Lisboa, foi dada por concluída a missão do meu Pelotão, no dia 13JUL77 a bordo da JC, sendo substituído por outro Pelotão que seguiu numa Corveta para os Açores. A partir destes factos e ate hoje, penso que nunca mais se deixou de colocar Fuzileiros a bordo, dos navios da Armada para efetivação de várias missões conjuntas, nomeadamente as de PelBoard.
         Passados todos estes anos, recordo 2 pormenores, pela sua singularidade e que agora já podem ser contados:
1- Ao atracar em Ponta Delgada e chegados de Lisboa e com todo o pessoal Fuzileiro formado na tolda do navio, entra a bordo um oficial do CNA, muito nervoso e gesticulando para que tirássemos a boina da cabeça – tinha receio que a população Açoreana, se apercebesse que havia Fuzileiros a bordo. Com todo o respeito, disse que só tiraria a boina da cabeça, por ordem expressa recebida do Comando do Corpo de Fuzileiros e a história ficou por aqui.
2- Na altura, o presidente do Governo dos Açores, era conterrâneo e amigo pessoal do meu comandante de batalhão. Antes de eu sair de Lisboa, o Comandante chamou-me e deu-me uma missão especial - após a minha chegada a Ponta Delgada entregar uma carta pessoal ao Presidente do Governo. Na primeira oportunidade, la me vesti à civil e fui ao palácio do Governo pedir para falar com o Presidente do Governo. O senhor recebeu-me logo, foi simpaticíssimo, pôs-me à vontade e garantiu-me a melhor colaboração e entendimento, para que durante a minha estadia, tudo decorresse com normalidade e sem conflitos entre a população e a guarnição do navio. E assim foi.

                                                                                     Carnaxide, 30 de Agosto de 2025
                                      
                                                                                                  António Raposo

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