12/12/12

LEITURAS À VISTA - 01

      Iniciando uma nova rubrica, passo a apresentar-vos as “LEITURAS À VISTA”, consistindo na recomendação da leitura de livros sobre temas relacionados com a Marinha Portuguesa e as suas unidades.
 
          Nesta 1.ª “LEITURA À VISTA”, recomendo o livro: "Fuzileiros - Força de Elite", da Clássica Editora, redigido por Ilídio Neves Luís, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
          «A presente obra representa um contributo sério e profundamente sentido para trazer à luz do dia a notável acção dos Fuzileiros durante a Guerra Colonial em que Portugal esteve envolvido.
          São relatos de quem viveu intensamente a guerra integrando uma força especial de elite, trilhando os caminhos mais inóspitos em circunstâncias tão penosas quanto adversas.
          Os autores vivenciaram episódios fantásticos nas antecâmaras da morte, sentindo as indescritíveis sensações da dor física e psicológica, cheiraram o bafiento odor da mata e da bolanha, viram camaradas seus despedaçados e o sangue fumegante a jorrar do seu próprio corpo.
          Jovens oriundos de aldeias de um país obscuro e subdesenvolvido são atirados para a frente de combate numa guerra cruel e fratricida cujas razões e motivos muitos ignoravam.
          Neste livro encontramos bem patentes o heroísmo e a enorme capacidade de dádiva da juventude, imbuída num espírito de corpo, de que os Fuzileiros são um dos máximos expoentes, referencial por excelência de todos os jovens que um dia sonharam servir a Pátria neste corpo de elite da Marinha e das Forças Armadas Portuguesas».

08/12/12

“HISTÓRIAS À VISTA” - 24

          24.ª “HISTÓRIA À VISTA”, da autoria do 2.º Comandante do Navio de Apoio “NRP São Miguel” - CMG REF Brito Subtil (1988-1990), recordando a mascote do navio.
 
O NRP ”SÃO MIGUEL” E O TRIDENTE
 
          O TRIDENTE era o nosso cão - a Mascote do navio. Foi por mim levado para bordo com menos de 4 meses, logo no início do meu Comando, mas muito rapidamente se adaptou ao navio e foi adoptado por toda a guarnição.
            Embora sem raça definida assemelhava-se bastante aos “Setter”, com pêlo castanho avermelhado.
          Tendo crescido a bordo, e conhecendo as suas patas apenas o piso metálico do navio e o chão empedrado do cais, foi extremamente curioso apreciar a sua primeira experiência no areal da praia de Porto Santo – louco de alegria, fazendo covas, saltando, ladrando e correndo desenfreadamente naquela sua nova experiência.
          Funcionava como elo de ligação entre os elementos da guarnição, pois todos eram seus donos, embora manifestasse preferência por um ou outro Marinheiro, dormindo à porta do seu camarote. A todos fazia companhia e de todos era objecto de brincadeira.
          Circulava por todo o navio, especialmente a Ponte onde fazia companhia ao pessoal de quarto ou o Refeitório das Praças, mais condicente com o seu posto de “Grumete honorário”. Quanto à Câmara de Oficiais era tabu – nunca passava da porta.
          Com o navio atracado, saía a prancha e ia ao cais aliviar as suas necessidades, regressando logo de seguida.
          Quando a navegar ficava impaciente, e só fazia as necessidades num determinado local do convés superior menos frequentado, sob os turcos da embarcação do navio.
          A navegar com algum balanço ele sofria com o enjôo, mantendo-se deitado com as patas para o ar de encontro à antepara para se manter estável. Situação bem caricata e curiosa.
            Ao aproximar-nos de terra, que ele detectava certamente pelo cheiro, ficava de novo cheio de vida e já ladrava.
          Nadando no mar também se sentia muito à vontade, e era com alegria e sem hesitações que se atirava da escada de portaló para a água ao encontro dos seus Marinheiros amigos.
          A todos se afeiçoou e a todos cumprimentava, sabendo distinguir bem quem pertencia ou não ao seu navio. Fazendo companhia ao Cabo de quarto junto à prancha dava imediato alerta quando alguém se aproximava do navio, constituindo assim um bom auxiliar da guarda.
          Mal atracávamos, e passada a prancha, o Tridente era sempre o primeiro a pôr o pé em terra e logo de seguida tratava de se aliviar fazendo as suas necessidades no cais.
          O pior aconteceu quando um dia, no Funchal, em vez de atracarmos ao cais atracámos por fora ao Petroleiro “S.GABRIEL”.
            Passada que foi a prancha, como de costume o Tridente de imediato a passou e com enorme à vontade apressou-se a fazer as suas necessidades no convés do “S. GABRIEL” perante a guarnição formada e ainda em faina. E dessa vez lá tivemos que ouvir resignadamente os protestos do Imediato desse navio (Comte. Eloi Lopes Pereira, dilecto amigo, infelizmente já falecido), invectivando o nosso cão pelo seu incorrecto comportamento. O Tridente é que teve dificuldade em compreender a sua falta.
          Quando nos portos estrangeiros é que a situação se complicava, pois havia necessidade de o esconder no porão, para que a sua presença não fosse detectada e se corresse o risco de ter que o deixar em terra de quarentena, o que seria inaceitável pelo pessoal da guarnição. E por isso se verificaram várias situações dignas de aqui ser contadas.
          De manhã, quando eu chegava a bordo com o navio atracado na Doca da Marinha, nosso cais habitual, recebia à prancha os devidos cumprimentos do Imediato, Oficial de dia e restante pessoal de serviço com apito “a sentido”. Depois era a vez do Tridente que respeitosamente subia as escadas comigo acompanhando-me até à porta da Camarinha, ao mesmo tempo que me ia lambendo as mãos.
          Apesar de ter tantos donos a bordo o Tridente nunca se esqueceu do seu primeiro dono - o Comandante - que o levou para bordo e o deixou dormir as duas primeiras noites na casa de banho do seu camarote.
          Muito mais tarde, talvez um ano depois de eu ter saído do navio, quando o “SÃO MIGUEL”, atracado na Doca da Marinha, estava entre duas missões ao Médio Oriente, envolvido na Guerra do Golfo como única participação militar portuguesa, sob o comando do Comte. Rodrigues da Conceição, aproximei-me da prancha do navio para perguntar ao pessoal de serviço se estava algum Oficial a bordo. A guarnição tinha entretanto mudado. Ninguém me conhecia. Eu era apenas um vulgar cidadão à paisana.
          Mas inesperadamente, e com grande surpresa minha, o Tridente desceu em correria a longa escada de portaló e aos saltos e uivos veio cumprimentar-me ao cais.
            Não pude deixar de me sentir emocionado com aquela manifestação de amizade e saudade. Ninguém me reconheceu… mas o Tridente não me esqueceu!
          Vim a saber mais tarde que, quando o navio foi abatido ao efectivo, havia vários pretendentes para levar o TRIDENTE consigo.

05/12/12

“HISTÓRIAS À VISTA” - 23

          23.ª “HISTÓRIA À VISTA”, da autoria do VALM REF Adriano de Carvalho, versando sobre a sua 1.ª comissão de serviço numa unidade naval - o Navio-Petroleiro "Sam Brás".
 
Tempos idos…
Um ano no “Sam Brás”
 
          A minha primeira comissão como 2.º Ten. foi no Navio-Petroleiro “Sam Brás”, onde servi cerca de um ano e onde bati o meu recorde anual de horas de navegação. Este pequeno petroleiro de cerca de 5.000 ton. foi o único que o país dispôs durante o tempo da guerra.
          Foi ele portanto que transportou a pouca gasolina existente na era do racionamento. Os carros particulares só podiam andar 2 dias por semana a não ser que fossem a gasogénio. Os comboios andavam a lenha. Além disso o “Sam Brás” também trazia de contrabando as primeiras meias em nylon para as senhoras freguesas da Casa das Meias, mas isso é outra historia que culminou com o suicídio do anterior Comandante (Sanches de Miranda).
          O certo é que o navio estava constantemente em viagens e as demoras em Lisboa eram de escassos dias. Estávamos em 48. A guerra tinha terminado pouco tempo antes e quando me apresentei a bordo, estava já marcada a primeira viagem para o Golfo Pérsico (Bahrein). Foi-me destinado o cargo de Navegador. O Comandante era o Cten. Borges de Carvalho, excelente marinheiro mas que de cavalheiro pouco tinha, embora não fosse má pessoa.
          O Estácio dos Reis do meu curso também ingressou na guarnição em que tambem figuravam o Belo de Carvalho e como Imediato o 1.º Ten. Ornelas de Vasconcelos (mais tarde CEMA) que no aspecto de aprumo era a antítese do Comandante, mas que mesmo assim se davam muito bem.
          No respeitante às ajudas à navegação apenas se dispunha de uma agulha magnética, dois sextantes e umas cartas muito velhas (séc. IXX, únicas que consegui arranjar no Instituto Hidrográfico e na Casa Garraio). Só mais tarde se passou a dispor de sonda e radiogoniómetro (DAK3).
          Lá largamos um dia (depois do almoço) e lembro-me que o Comandante ficou satisfeito com a minha saída da barra e a partir daí, confiou em mim completamente (muito mais que eu próprio, pois era a minha estreia).
          Tracei o rumo para o Cabo São Vicente e prosseguimos embora eu andasse inquieto devido à responsabilidade que me tinha caído em cima. Iamos em regime de três quartos em que me cabiam os das 8 às 12 e o das 20 às 24. O Imediato fazia o quarto da alva (04 às 08) e os restantem eram feitos pelo B. Carvalho e pelo Estácio. Nos primeiros tempos em que ainda não tinha muita confiança na aplicação prática dos conhecimentos de navegação e calculo náuticos que me tinham sido “impingidos” na EN, levantava-me muitas vezes de noite para ir à Ponte espreitar como iam as coisas.
          Logo na manhã seguinte depois de dobrar-nos o Cabo São Vicente, o Comandante estragou-me o rumo que já tinha traçado para Gibraltar, pois como ele tinha andado muito tempo na fiscalização da pesca no Algarve (na canhoneira “Raul de Cascais”), mandou-me meter rumo para um banco de pesca onde Ele previa encontrar pescadores velhos amigos, o que de facto sucedeu e lhe ofereceram sardinhas para uma patuscada a bordo.
          Contou ele que nos seus tempos do Algarve tinha apresado tantos espanhóis que às tantas passou a ser ameaçado de morte caso fosse a Espanha. Num dia tinha apanhado o mesmo espanhol duas vezes seguidas, pois já sabia que depois do julgamento e da multa, o nuestro hermano ressabiado, se iria vingar pescando outra vez nas nossas águas. Só que não contou que a “Raul de Cascais” saísse à sucapa atrás dele. De resto este navio durou mais uns anos que o devido, pois o Comandante antes das vistorias, oferecia sempre uma almoçarada bem regada aos Engs Construtores Navais.
          Certa noite um pesqueiro espanhol abalroou-o para o afundar. Simplesmente a “Raul Cascais” devido a fabricos, tinha sido substituída temporariamente pelo “Lidador” que era forte e feio, e assim quem se afundou foi o espanhol!
          Contou ainda que outra vez em que o seu recente Imediato, o G.M. Ferrer (meu futuro “Chefe” na Guiné), ficou estupefacto quando a canhoneira encalhou já depois de ter entrado a barra de Faro e ele apenas ordenou que largasse ferro e viesse almoçar. De facto durante o almoço a maré tinha subido e o navio estava safo para seguir para Faro.
          Posto este parêntesis, lá seguimos para o Mediterrâneo com destino a Port Said. Existiam ainda muitos campos de minas por levantar e os avisos à navegação sobre minas à deriva, eram constantes. Na altura havia jà muitos petroleiros com a mesma rota e tinham o hábito de meter conversa por morse luminoso com as perguntas sacramentais “What ship e Where are you bound”, provavelmente para ajudar a passar o tempo. Como só tinhamos um sinaleiro a bordo e para o homem poder dormir tivemos nós (Oficiais de quarto) de aprender a fazer o seu serviço.
           No entanto os verdadeiros problemas de navegação começaram depois do Mar Vermelho. Com o calor a agulha passou a ter desvios erráticos, descobri que o sextante mais mosderno “um Platt” estava empenado e tive que utilizar o velhinho que havia a bordo. Por outro lado por essa altura já eu era um perito a fazer pontos por estrelas que foi o que me valeu. Como a costa da Arábia nesse tempo, não tinha faróis, tentei fazer a navegação ao largo (10 milhas), no que fui contrariado pelo Comandante que me disse que se o navio fosse mercante, levaria o armador à falencia com estas precauções. Entrámos finalmente no Golfo Pérsico, praticamente numa coluna de petroleiros mercantes.
          Às tantas havia que largar a fila e meter para Bahrein já que o grosso da coluna seguia para Abadan ao Norte. O Comandante entendeu no entanto que dadas as nossas difilcudades de navegação, devíamos seguir mais tempo em coluna, pois era mais seguro. Discordei apresentando os meus argumentos que não foram atendidos. Apresentei então a minha demissão do cargo. Sorriu e disse para o Imediato:
- “Está a ver o tipo? Já o garnisé tem crista…”.
          O certo é que larguei a casa das cartas e só ao pôr-do-sol fiz às escondidas um ponto por estrelas. Horas depois, fui chamado ao Comandante que já estava a ver que eu tinha razão e me disse:
- “Então você acha que devíamos guinar para Barhein?”.
          Respondi que já tínhamos perdido várias horas. Bom disse ele, então onde é que estamos agora? Lá lhe puz na carta o ponto que tinha entretanto feito. A situação voltou a normalizar-se com a nossa chegada a Bahrein na manhã seguinte, onde fizemos o nosso carregamento de crude, mas não fomos autorizados a ir a terra.
          O regresso não teve grande história. Lembro-me no entanto de em certa noite estrelada termos passado no Estreito de Ormuz por um enorme círculo fosforescente e giratório, com uns de 200m de diâmetro, fenómeno que certamente se devia a algum cardume mas cuja aproximação nos meteu algum “cagaço”.
          No Mediterrâneo apanhámos mau tempo, mas chegámos finalmente a Lisboa sem novidade. Fomos descarregar à Banatica onde sucedeu um caso cómico ao atracar. O Cten B. Carvalho que era um bom manobreiro, apenas requisitava duas lanchas para passar cabos, prescindindo de rebocadores. No entanto no momento crucial de largar o ferro para aguentar o navio na viragem para atracação, o Imediato não cumpriu a respectiva ordem.
            O Comandante repetiu já chateado “Oh Imediato largue lá essa m…,” mas nada. Fui então encarregado de ir ao castelo para ver o que se passava. Aconteceu que o gato de bordo se metera no escovem donde soprava sem que ninguém o conseguisse tirar. Se se largasse o ferro seria despedaçado pela amarra. Saiu finalmente com um jacto de água, mas a manobra ficou comprometida e teve que ser repetida. De resto este gato era um perito a caçar peixes voadores à noite atraídos pelas luzes de bordo.
          Uma vez tive a sensação que numa das suas caçadas uma vaga o tinha levado, mas veio a verificar-se que estava completamente enxuto a comer o seu peixe voador na coberta do castelo. Este gato tinha a sua telha. Normalmente um dia antes da chegada a um Porto aparecia-me na casa das cartas e atirava com tudo ao chão. Ao atracarmos era sempre o primeiro a saltar para o cais regressando de seguida. Quando a marujada lhe fazia festas nas “partes “, dava duas voltas ao navio em correria desenfreada. Soube que morreu estupidamente mais tarde, quando o navio estava em reparações na doca de Alcantara por ter caído numa zona de água poluida de oleo, embora ainda tivesse sido pescado com vida.
          A segunda viagem foi a Curaçau nas Antilhas. Tinha havido no entanto mudanças na guarnição. O Imediato passou a ser o 1.º Ten. Correia Leal - (ex-aviador), o Engenheiro passou a ser o 2.º Ten. Couceiro, o Administrativo foi rendido pelo Leão da Cunha que de que se dizia ser o 1.º Ten. mais antigo do mundo e que era um pouco boçal.
          Foi também rendido o Médico (Oliveira Alves) pelo Dr. Mano. Este homem nunca devia ter embarcado pois já sofria de uma doença incuravel do foro psíquico, ainda que ninguém a bordo soubesse do facto. Era no entanto bom Médico. O caso é que já em Curaçau com o calor e o cheiro do combustível, ele entrou em fase de delírio, pelo que após consulta com Lisboa fomos autorizados a seguir para a Venezuela (La Guaira) onde se levou o Médico até Caracas, para ser examinado por um especialista de renome. Foi então que soubemos a natureza da doença. Recebemos o conselho de trazermos o Médico para Lisboa sob o cuidado do Enfermeiro, pois ele teria ainda vários períodos de lucidez e melhor seria estar acompanhado quando tal acontecesse. De facto assim sucedeu, mas mais tarde vim a saber que ele se suicidou num desses periodos de lucidez, por ser sabedor da doença de que padecia.
          Foi portanto devido a esta circunstância infeliz que pus os pés em Caracas que já nessa altura era uma cidade gira e com muitos portugueses. Como a viagem durou mais que o previsto às tantas deixou de haver frescos a bordo e passámos a comer apenas grão e arroz. Ainda experimentamos os peixes voadores mas eram muito secos.
          Chegámos finalmente ao Funchal onde a primeira coisa que fiz, foi ir com o Estácio ao Restaurante alemão comer um bom bife que soube tão bem que ainda hoje recordo. Houve mais uma viagem para carregamento de gasolina de aviação em Aruba, sem incidentes de maior a não ser na descarga já em Lisboa (Banatica), pois a chaminé da cozinha incendiou-se.
          Foi um momento de pânico, pois o convés estava todo borrifado de gasolina, o cheiro era imenso (o que nos obrigava a beber leite frequentemente para desintoxicar), felizmente as faúlhas caíram todas ao rio pois a chaminé era à popa e o vento ajudava. No entanto se o vento não estivesse de proa e esta não estivesse virada para a barra, por certo que não estaria aqui para contar esta história.
          Fizemos de seguida uma viagem até Port Arthur no Golfo do México, Sul do Texas. Esta viagem acabou por ser aproveitada para levar parte das guarnições dos seis Patrulhas adquiridos para o Serviço de Busca e Salvamento e que se encontravam em Jaksonville na Florida. Lembro-me que entre outros iam a bordo os 1.º Tens. Malheiro do Vale e o Soares Branco, como futuros Comandantes. À noite na camara havia sempre sessão de má-língua a que praticamente não escapava ninguém na Marinha.
          Quem ia muito preocupado a contar de manhã e à noite os dólares que levava no cofre era, o Leão da Cunha. Uma vez fizemos uma aposta com ele em que eramos capazes de lhe abrir o cofre. Ganhámos porque pressentimos que o segredo só podia ser LENA, nome da sua amásia de Lisboa. O homem ficou para morrer pois não sabia mudar o segredo e a preocupação com os dólares redobrou.
            Em Port Arthur, (pequena cidade tipicamente americana, com casas de madeira e ruas perpendiculares numeradas), andava eu com o Estácio a ver as lojas da terra, quando ao passar por um “drugstore”, ouvimos fortes risadas vindas do interior. Fomos ver o que se passava e então o nosso homem ladrava e coçava-se dando “show” para as empregadas que o rodeavam em risota. Era segundo ele a forma de tentar expressar o que desejava comprar, (já que não sabia inglês), nem mais nem menos que pós para as pulgas dos cães, que qualquer camarada em Lisboa lhe tinha encomendado.
          A última viagem que fiz no navio foi a Long Beach (Sul da Califórnia). Ainda hoje não percebo porquê ir carregar combustível tão longe! Tivemos portanto que atravessar o Canal do Panamá à ida e à volta. Lembrei-me então de escrever a um tio meu (que vivia em Antioch perto de São Francisco), noticiando a nossa ida a Long Beach. O resultado foi que veio buscar-me e lá arranjei autorização para aceitar o seu convite para passar com ele, juntamente com o Estácio e o Gabriel (2.º de máquinas), um fim-de-semana, proporcionando uma visita a São Francisco.
            Foi assim que tive oportunidade de reconhecer este tio que tinha emigrado para a América quando eu era muito pequeno, bem como a sua mulher e dois primos e familiares, entre os quais algumas filhas na altura ainda garotas, mas que já se interessavam por rapazes.
          Tivemos ainda a oportunidade de visitar Los Angeles incluindo o estúdio da Paramount em Hollywood e a casa luxuosa com piscina de uma estrela, cujo nome não me recordo. Na última manhã em Long Beach ainda tive tempo de ir a terra comprar um pequeno rádio barato (no que fui depois muito imitado) e que ainda hoje funciona.   
 
Mar picado, tirando alturas…
          No regresso, já depois do C. do Panamá ao passarmos pelas Antilhas, tivemos um momento de “suspence” quando a sonda começou a indicar fundo numa posição em que tal não devia suceder. O pior é que o fundo segunda a sonda estava a diminuir lentamente de 100 para 10 metros, pelo que chamei o Comandante que logo mandou parar as máquinas. Imediatamente deixou de haver indicação de fundo na sonda. O fenómeno deu azo à discussão na camara de várias interpretações, sem que se chegasse a uma decisão. Para mim seria talvez uma camada de água de temperatura ou salinidade diferentes.
          A minha comissão no “Sam Brás” veio a acabar com uma cena chata. Foi o caso do Imediato ter comunicado na camara estar incompatibilizado com o Comandante por lhe ter aparecido no Conselho Administrativo uma factura duma fictícia lavagem de tanques do navio no Panamá. (destinada à Cantina de bordo, que distribuía a toda a guarnição sapatos de ténis e fatos de trabalho), coisa que ele se recusou a aceitar. Havia portanto que tomar posição e todos os Oficiais, com excepção do Belo de Carvalho que era parente do Comandante, apoiaram o Imediato.
          A mim custou-me particularmente tomar esta decisão, pois o Comandante gostava de mim e eu apreciava as suas qualidades de Marinheiro. Simplesmente o assunto mexia com o prestígio da Instituição e ainda hoje julgo que a minha decisão foi a correcta. O resultado foi que depois em Lisboa veio uma inspecção a bordo que detectou varias irregularidades, mas por uma questão de “ prestígio do Comando” os Oficiais foram substituídos e o Comandante ainda fez mais uma viagem.
          Eu por exemplo fui parar ao Corpo de Marinheiros onde passei uns 3 meses antes de seguir para Vila Franca tirar o curso de especialização em Comunicações.
 
Artigo sobre o NAVIO DE APOIO "SAM BRÁS": http://barcoavista.blogspot.pt/2010/11/navio-de-apoio-sam-bras.html