08/12/12

“HISTÓRIAS À VISTA” - 24

          24.ª “HISTÓRIA À VISTA”, da autoria do 2.º Comandante do Navio de Apoio “NRP São Miguel” - CMG REF Brito Subtil (1988-1990), recordando a mascote do navio.
 
O NRP ”SÃO MIGUEL” E O TRIDENTE
 
          O TRIDENTE era o nosso cão - a Mascote do navio. Foi por mim levado para bordo com menos de 4 meses, logo no início do meu Comando, mas muito rapidamente se adaptou ao navio e foi adoptado por toda a guarnição.
            Embora sem raça definida assemelhava-se bastante aos “Setter”, com pêlo castanho avermelhado.
          Tendo crescido a bordo, e conhecendo as suas patas apenas o piso metálico do navio e o chão empedrado do cais, foi extremamente curioso apreciar a sua primeira experiência no areal da praia de Porto Santo – louco de alegria, fazendo covas, saltando, ladrando e correndo desenfreadamente naquela sua nova experiência.
          Funcionava como elo de ligação entre os elementos da guarnição, pois todos eram seus donos, embora manifestasse preferência por um ou outro Marinheiro, dormindo à porta do seu camarote. A todos fazia companhia e de todos era objecto de brincadeira.
          Circulava por todo o navio, especialmente a Ponte onde fazia companhia ao pessoal de quarto ou o Refeitório das Praças, mais condicente com o seu posto de “Grumete honorário”. Quanto à Câmara de Oficiais era tabu – nunca passava da porta.
          Com o navio atracado, saía a prancha e ia ao cais aliviar as suas necessidades, regressando logo de seguida.
          Quando a navegar ficava impaciente, e só fazia as necessidades num determinado local do convés superior menos frequentado, sob os turcos da embarcação do navio.
          A navegar com algum balanço ele sofria com o enjôo, mantendo-se deitado com as patas para o ar de encontro à antepara para se manter estável. Situação bem caricata e curiosa.
            Ao aproximar-nos de terra, que ele detectava certamente pelo cheiro, ficava de novo cheio de vida e já ladrava.
          Nadando no mar também se sentia muito à vontade, e era com alegria e sem hesitações que se atirava da escada de portaló para a água ao encontro dos seus Marinheiros amigos.
          A todos se afeiçoou e a todos cumprimentava, sabendo distinguir bem quem pertencia ou não ao seu navio. Fazendo companhia ao Cabo de quarto junto à prancha dava imediato alerta quando alguém se aproximava do navio, constituindo assim um bom auxiliar da guarda.
          Mal atracávamos, e passada a prancha, o Tridente era sempre o primeiro a pôr o pé em terra e logo de seguida tratava de se aliviar fazendo as suas necessidades no cais.
          O pior aconteceu quando um dia, no Funchal, em vez de atracarmos ao cais atracámos por fora ao Petroleiro “S.GABRIEL”.
            Passada que foi a prancha, como de costume o Tridente de imediato a passou e com enorme à vontade apressou-se a fazer as suas necessidades no convés do “S. GABRIEL” perante a guarnição formada e ainda em faina. E dessa vez lá tivemos que ouvir resignadamente os protestos do Imediato desse navio (Comte. Eloi Lopes Pereira, dilecto amigo, infelizmente já falecido), invectivando o nosso cão pelo seu incorrecto comportamento. O Tridente é que teve dificuldade em compreender a sua falta.
          Quando nos portos estrangeiros é que a situação se complicava, pois havia necessidade de o esconder no porão, para que a sua presença não fosse detectada e se corresse o risco de ter que o deixar em terra de quarentena, o que seria inaceitável pelo pessoal da guarnição. E por isso se verificaram várias situações dignas de aqui ser contadas.
          De manhã, quando eu chegava a bordo com o navio atracado na Doca da Marinha, nosso cais habitual, recebia à prancha os devidos cumprimentos do Imediato, Oficial de dia e restante pessoal de serviço com apito “a sentido”. Depois era a vez do Tridente que respeitosamente subia as escadas comigo acompanhando-me até à porta da Camarinha, ao mesmo tempo que me ia lambendo as mãos.
          Apesar de ter tantos donos a bordo o Tridente nunca se esqueceu do seu primeiro dono - o Comandante - que o levou para bordo e o deixou dormir as duas primeiras noites na casa de banho do seu camarote.
          Muito mais tarde, talvez um ano depois de eu ter saído do navio, quando o “SÃO MIGUEL”, atracado na Doca da Marinha, estava entre duas missões ao Médio Oriente, envolvido na Guerra do Golfo como única participação militar portuguesa, sob o comando do Comte. Rodrigues da Conceição, aproximei-me da prancha do navio para perguntar ao pessoal de serviço se estava algum Oficial a bordo. A guarnição tinha entretanto mudado. Ninguém me conhecia. Eu era apenas um vulgar cidadão à paisana.
          Mas inesperadamente, e com grande surpresa minha, o Tridente desceu em correria a longa escada de portaló e aos saltos e uivos veio cumprimentar-me ao cais.
            Não pude deixar de me sentir emocionado com aquela manifestação de amizade e saudade. Ninguém me reconheceu… mas o Tridente não me esqueceu!
          Vim a saber mais tarde que, quando o navio foi abatido ao efectivo, havia vários pretendentes para levar o TRIDENTE consigo.

1 comentário:

  1. lembro com saudade o"tridente" ,quando atracava-mos em praia da vitoria os electricistas punham-se á pesca e o tridente comia os peixes acabados de apanhar.........abraço

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