27/06/12

"HISTÓRIAS À VISTA" - 11

          11.ª “HISTÓRIA À VISTA”, da autoria do CMG REF Juzarte Rôlo, com especialização em Mergulhador-Sapador.

AS BOLACHAS DO TT:

          «Durante a minha Comissão na Guiné, (Março 1972 a Fevereiro 1974 comandei a Secção n.º 2, depois Destacamento n.º 1 de Mergulhadores Sapadores. Entre as diversas missões que nos foram cometidas havia uma, quase rotineira e de que tínhamos larga prática, a inspecção das obras vivas (parte imersa do casco) dos navios utilizados no Transporte de Tropas (TT).
          Numa rotineira viagem de transporte de militares, procedente de Lisboa, chegou a Bissau um Transporte de Tropas (não me recordo com precisão da data nem do nome do navio, acredito ter sido o “Niassa”), que como era normal atracou na ponte cais de Bissau, conhecida por Pigiguiti, local do Rio Geba, de águas muito turvas e onde, não se vê um palmo, digo um dedo, à frente do nariz.
          De imediato e após vistoria à estacaria da ponte cais, a Companhia de Fuzileiros sediada em Bissau, montou um dispositivo de segurança em torno do navio que incluía patrulhas de botes nas águas do Rio Geba, por forma a prevenir qualquer actividade do inimigo que pudesse pôr em causa a integridade do navio.
          Logo que o navio atracou, começou o desembarque de homens e material que transportara desde Lisboa e iniciou os preparativos para embarcar de regresso a Lisboa, militares cuja Comissão terminara e alguma carga.
          Aos Mergulhadores competia fazer uma inspecção das obras mortas à chegada e uma segunda antes da partida. Para estas inspecções puderem ser feitas, era necessário aproveitar o estofo da maré, intervalo de tempo em que as águas, entre as duas marés, estavam paradas ou corriam pouco, deixando mergulhar e fazer a inspecção.
          O objectivo da inspecção ao casco do navio era verificar da existência, ou não, de objectos que, agarrados ao casco, pudessem vir de alguma forma danificar o navio. Com o auxílio de guias, feitas com cabos de nylon, o navio era literalmente apalpado de fio a pavio, estando empenhadas neste serviço duas equipas de Mergulhadores apoiadas por botes. Eu e um dos Sargentos da Unidade, creio que era o Sargento Oliveira, estávamos nos botes.

          Havia pouco tempo que começara a revista ao casco, quando um Mergulhador emerge e se dirige ao bote relatando que havia encontrado perto do bico da proa uma “bolacha” bem agarrada ao casco. Tinha entre palmo e meio e dois diâmetro e perto de uma polegada de altura. Estava firmemente presa ao casco.
          Conhecia muito bem os Mergulhadores da minha unidade. Sabia-os calmos, seguros e precisos, a descrição correspondia a algo ameaçador e perigoso. Poderia ser uma mina-lapa!
          Mandei sair o pessoal da água e mergulhei de imediato, era de dia, não se via nada, mesmo nada, debaixo de água. Sem dificuldade, seguindo a guia encontrei o objecto. A descrição estava correcta. Cuidadosamente percorri com a minha mão todo o objecto. Tinha a dimensão descrita, era liso, não tinha relevos nem depressões e estava firmemente agarrado ao casco. Com a faca de mergulho procurei encontrar um espaço entre a bolacha e o casco, não havia.
          Saí da água, disse ao Oliveira e ao Mamede, Sargentos da unidade, o que pensava e fui a bordo avisar o Capitão de bandeira. Mal o encontrei comecei a relatar o sucedido.
          Fazia-me espécie, disse-lhe, que os meus camaradas em Lisboa, que haviam revistado o navio, não tivessem dado por nada e, também me parecia pouco provável que o PAIGC tivesse conseguido, nas condições de vigilância existentes e connosco na água no estofo de maré, tivesse conseguido colocar uma mina, agora, que o objecto era estranho era. A dúvida estava instalada e a preocupação presente.

          Naturalmente inquieto, o Capitão de bandeira, antes de tomar qualquer decisão quis falar com o Capitão do navio, que mandou chamar, ao mesmo tempo que me foi pedindo mais detalhes e informações sobre os possíveis procedimentos a tomar…
          Nisto chega o Capitão do navio, vê o Capitão de bandeira com um ar preocupado e a mim todo molhado em fato de mergulho e sem mais palavras, dispara:
- "Que se passa?"
Relatei as causas da preocupação.
- "Sabe", disse ele, "o navio docou em Lisboa, vai para semanas, e… para isolar umas condutas de admissão foram soldadas à proa umas “bolachas!!!"
          Encontrámos a segunda “bolacha”, acabámos a busca, seguros de que a fazíamos bem e, sem minas à proa, jantámos sossegados!!!»

3 comentários:

  1. Mais uma história tão interessante. Não posso esconder a minha irritação pela forma como entre 1968 e 1979 demos cabo da nossa frota de navios de passageiros que chegou a somar 26, de 1966 a 1968...

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  2. Estória interessante e que comprova o elevado profissionalismo e a grande competência dos Mergulhadores da Marinha Portuguesa. Naquele tempo e agora. A sua actividade é muito arriscada e perigosa, exigindo uma capacidade física e mental excepcionais e uma formação e treino extraordinariamente exigentes. Um pequeno engano pode ser fatal. Não os invejo!
    PS: o autor, é evidente que por lapso, chama "obras mortas" às "obras vivas".

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  3. O cais do Pigiguiti era outro, ficava a oeste da ponte-cais, e era usado por embarcações de pesca e cabotagem de pequeno calado.

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