7.ª “HISTÓRIA À VISTA”, da autoria do CMG REF Alpoim Calvão, à época dos factos 2.º Tenente, frequentando juntamente com mais 03 Praças portugueses um Curso de Mergulhadores-Sapadores no Reino Unido.
Este artigo foi redigido em 1960, originalmente para os Anais do Clube Militar Naval [cota: 90, 1960, p. 565-568, ilust.], entidade a quem agradeço a cedência do artigo, nomeadamente ao Cte. Moita Gurriana.
EPISÓDIOS DA NEUTRALIZAÇÃO DE MINAS:
«Fazíamos parte do «Bomb and Mine Disposal Team» da H.M.S. «Vernon». As vicissitudes do curso de «Clearance Diving», que frequentávamos na altura, tinham-nos integrado na citada equipa, composta de experimentado pessoal da Royal British Navy, e tendo por chefe o Tenente Stuart Honour CDO, MBE, homem com grande prática de neutralização de minas, adquirida em Bizerta, Alexandria, etc, durante a passada guerra:
- "You know fellow, mines are easy things. I have disposed nine thousands, and I am still alive. Oh! Good stuff, this beer".
Tínhamos acabado a parte teórica do curso e estávamos ansiosos (?) de aplicar os conhecimentos adquiridos em minas reais, das autênticas, que quase diariamente, dão à costa no Sul de Inglaterra. Restos perigosos de uma guerra terminada há quinze anos.
A «Bomb and Mine Disposal Organization» funciona, em traços largos, da seguinte maneira: Os três Serviços — Marinha, Exército e Força Aérea — dispõem de unidades móveis especializadas, sempre prontas a seguir para o local onde foi descoberto um objecto suspeito. Esta comunicação é quase sempre feita, telefonicamente, pela Polícia ou por civis da «Mine Watching Organization» e, além de assinalar a possível bomba ou mina, dá elementos sobre a aparência externa, dimensões aproximadas e outras características que ajudem a classificar o objecto.
A responsabilidade dos Serviços, que não é rígida, pois existe grande espírito de colaboração entre as diversas unidades, é definida da seguinte maneira:
a) A Marinha é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos que se encontrem dentro de propriedades do Almirantado, em docas e praias, e das minas contra navios lançadas em terra.
b) A Força Aérea é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos que se encontrem em propriedades da Força Aérea e dos dispositivos britânicos, lançados no estrangeiro.
c) O Exército é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos, que não sejam da conta dos outros dois serviços.
A evacuação dos lugares e outras medidas necessárias estão a cargo da Polícia. Recebida a comunicação, a unidade de «B. & M. D.» dirige-se ao local e procura identificar o objecto. Por vezes são bidons vazios ou latas velhas, em que a imaginação de um polícia mais zeloso quis ver um mortífero engenho de combate. Mas, honra seja feita aos dignos «constables», a maior parte das vezes são minas ou bombas, vivas, provenientes de exercícios ou da guerra, e que é necessário tornar inofensivas.
Sempre que o local o permita, utiliza-se a contra-minagem, fácil e segura, pois destrói completamente a mina. Contudo, em algumas ocasiões — caso de minas que aparecem em praias populosas e onde haja habitações nas proximidades — é preciso neutralizar a mina, de modo a torná-la inerte, o que permite o seu transporte para um sítio onde se possa realizar a ulterior destruição.
Numa manhã de Novembro de 1959, foram assinalados dois objectos com forma de mina, em Aldwich e Wittering, na costa SE da Grã-Bretanha. Partimos imediatamente para a primeira das localidades citadas, onde chegamos pelas onze da manhã, depois de algumas paragens pelos «pubs» do caminho, onde o nosso amigo Honour fazia grande estrago na cerveja e em certas empadas de carne, muito saborosas:
- "Oh! Good stuff, this bitter!".
Aliás a sua experiência indicava-lhe que depois de se «começar» uma mina não há intervalos para comida, e por conseguinte, mais valia iniciar o trabalho com o estômago cheio. Na nossa qualidade de alunos fomos encarregados de identificar o objecto. De binóculo na mão e à cautelosa distância de 200 jardas (como mandam as regras), fácil nos foi concluir que se tratava de uma mina inglesa, Mk17, de contacto.
Iniciámos então a neutralização, verificando primeiro que a alavanca de fundear não estava armada e inutilizando os esterilizadores. Como a tampa superior se mostrava teimosa em não ceder, resistindo mesmo às marteladas que Honour lhe deu (devemos confessar que esta operação nos afligiu bastante, pois ainda estávamos convencidos que as minas eram coisas delicadas:
- "Rubbish, you see?".
Empregou-se explosivo plástico, que cortou a caixa da mina como se fosse manteiga. Tornámos a sentir outro nó no estômago, quando Honour meteu a cabeça, fumando, dentro da caixa da mina para extrair o detonador. A frequência com que quebrava as regras de segurança que se afadigara a ensinar-nos, levou-nos por vezes, e injustamente, a duvidar da sua sanidade mental.
Acabado o trabalho, e já com a inevitável caneca de cerveja na mão, perguntámos-lhe o «por quê». Respondeu-nos que o seu longo contacto com minas o tornava descuidado. Estava na altura de pedir outra comissão. E disse-nos:
"As primeiras cem fazem-se com todas as regras. Mas depois perde-se-lhes o respeito".
Seguimos então para Wittering, onde chegámos já pela tardinha. Desejaríamos encontrar uma «Mina korabelnaya», mas deparou-se-nos outra Mk17, bastante enterrada na areia. Extraído o detonador, surgiu o problema de desenterrar a mina.
Algumas cargas de TNT, fizeram-na saltar como uma bola de ténis e acarretaram-nos uma curiosa descompostura dada por um velhote que apareceu na praia, com um «pekinois» debaixo do braço, afirmando irritado, que ia participar às autoridades navais a explosão das cargas, pois o cãozinho assustara-se muito e ainda estava nervoso como podíamos observar! Azares do ofício...
O regresso a Portsmouth realizou-se noite alta. E, quando ansiávamos por reparar o desgaste nervoso sofrido durante o dia, outro telefonema: uma caixa de mina em Brognor-Regis. Já passava das duas da manhã quando iniciámos o trabalho, que se afigurava fácil.
Infelizmente tal não sucedeu: ao explodir a carga de contra-minagem, o invólucro da mina partiu-se em dois e, um dos pedaços, tomando uma trajectória imprevista, cortou cerce o braço direito dum dos componentes da equipa, a dois passos de nós.
Com esta despretensiosa narração de alguns episódios da guerra de minas, quisemos demonstrar como o trabalho do Mergulhador-Sapador é movimentado, diverso, algo perigoso e contudo, sempre interessante.»
Este artigo foi redigido em 1960, originalmente para os Anais do Clube Militar Naval [cota: 90, 1960, p. 565-568, ilust.], entidade a quem agradeço a cedência do artigo, nomeadamente ao Cte. Moita Gurriana.
EPISÓDIOS DA NEUTRALIZAÇÃO DE MINAS:
«Fazíamos parte do «Bomb and Mine Disposal Team» da H.M.S. «Vernon». As vicissitudes do curso de «Clearance Diving», que frequentávamos na altura, tinham-nos integrado na citada equipa, composta de experimentado pessoal da Royal British Navy, e tendo por chefe o Tenente Stuart Honour CDO, MBE, homem com grande prática de neutralização de minas, adquirida em Bizerta, Alexandria, etc, durante a passada guerra:
- "You know fellow, mines are easy things. I have disposed nine thousands, and I am still alive. Oh! Good stuff, this beer".
Tínhamos acabado a parte teórica do curso e estávamos ansiosos (?) de aplicar os conhecimentos adquiridos em minas reais, das autênticas, que quase diariamente, dão à costa no Sul de Inglaterra. Restos perigosos de uma guerra terminada há quinze anos.
A «Bomb and Mine Disposal Organization» funciona, em traços largos, da seguinte maneira: Os três Serviços — Marinha, Exército e Força Aérea — dispõem de unidades móveis especializadas, sempre prontas a seguir para o local onde foi descoberto um objecto suspeito. Esta comunicação é quase sempre feita, telefonicamente, pela Polícia ou por civis da «Mine Watching Organization» e, além de assinalar a possível bomba ou mina, dá elementos sobre a aparência externa, dimensões aproximadas e outras características que ajudem a classificar o objecto.
A responsabilidade dos Serviços, que não é rígida, pois existe grande espírito de colaboração entre as diversas unidades, é definida da seguinte maneira:
a) A Marinha é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos que se encontrem dentro de propriedades do Almirantado, em docas e praias, e das minas contra navios lançadas em terra.
b) A Força Aérea é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos que se encontrem em propriedades da Força Aérea e dos dispositivos britânicos, lançados no estrangeiro.
c) O Exército é responsável pela neutralização de todos os dispositivos explosivos, que não sejam da conta dos outros dois serviços.
A evacuação dos lugares e outras medidas necessárias estão a cargo da Polícia. Recebida a comunicação, a unidade de «B. & M. D.» dirige-se ao local e procura identificar o objecto. Por vezes são bidons vazios ou latas velhas, em que a imaginação de um polícia mais zeloso quis ver um mortífero engenho de combate. Mas, honra seja feita aos dignos «constables», a maior parte das vezes são minas ou bombas, vivas, provenientes de exercícios ou da guerra, e que é necessário tornar inofensivas.
Sempre que o local o permita, utiliza-se a contra-minagem, fácil e segura, pois destrói completamente a mina. Contudo, em algumas ocasiões — caso de minas que aparecem em praias populosas e onde haja habitações nas proximidades — é preciso neutralizar a mina, de modo a torná-la inerte, o que permite o seu transporte para um sítio onde se possa realizar a ulterior destruição.
Numa manhã de Novembro de 1959, foram assinalados dois objectos com forma de mina, em Aldwich e Wittering, na costa SE da Grã-Bretanha. Partimos imediatamente para a primeira das localidades citadas, onde chegamos pelas onze da manhã, depois de algumas paragens pelos «pubs» do caminho, onde o nosso amigo Honour fazia grande estrago na cerveja e em certas empadas de carne, muito saborosas:
- "Oh! Good stuff, this bitter!".
Aliás a sua experiência indicava-lhe que depois de se «começar» uma mina não há intervalos para comida, e por conseguinte, mais valia iniciar o trabalho com o estômago cheio. Na nossa qualidade de alunos fomos encarregados de identificar o objecto. De binóculo na mão e à cautelosa distância de 200 jardas (como mandam as regras), fácil nos foi concluir que se tratava de uma mina inglesa, Mk17, de contacto.
Iniciámos então a neutralização, verificando primeiro que a alavanca de fundear não estava armada e inutilizando os esterilizadores. Como a tampa superior se mostrava teimosa em não ceder, resistindo mesmo às marteladas que Honour lhe deu (devemos confessar que esta operação nos afligiu bastante, pois ainda estávamos convencidos que as minas eram coisas delicadas:
- "Rubbish, you see?".
Empregou-se explosivo plástico, que cortou a caixa da mina como se fosse manteiga. Tornámos a sentir outro nó no estômago, quando Honour meteu a cabeça, fumando, dentro da caixa da mina para extrair o detonador. A frequência com que quebrava as regras de segurança que se afadigara a ensinar-nos, levou-nos por vezes, e injustamente, a duvidar da sua sanidade mental.
Acabado o trabalho, e já com a inevitável caneca de cerveja na mão, perguntámos-lhe o «por quê». Respondeu-nos que o seu longo contacto com minas o tornava descuidado. Estava na altura de pedir outra comissão. E disse-nos:
"As primeiras cem fazem-se com todas as regras. Mas depois perde-se-lhes o respeito".
Seguimos então para Wittering, onde chegámos já pela tardinha. Desejaríamos encontrar uma «Mina korabelnaya», mas deparou-se-nos outra Mk17, bastante enterrada na areia. Extraído o detonador, surgiu o problema de desenterrar a mina.
Algumas cargas de TNT, fizeram-na saltar como uma bola de ténis e acarretaram-nos uma curiosa descompostura dada por um velhote que apareceu na praia, com um «pekinois» debaixo do braço, afirmando irritado, que ia participar às autoridades navais a explosão das cargas, pois o cãozinho assustara-se muito e ainda estava nervoso como podíamos observar! Azares do ofício...
O regresso a Portsmouth realizou-se noite alta. E, quando ansiávamos por reparar o desgaste nervoso sofrido durante o dia, outro telefonema: uma caixa de mina em Brognor-Regis. Já passava das duas da manhã quando iniciámos o trabalho, que se afigurava fácil.
Infelizmente tal não sucedeu: ao explodir a carga de contra-minagem, o invólucro da mina partiu-se em dois e, um dos pedaços, tomando uma trajectória imprevista, cortou cerce o braço direito dum dos componentes da equipa, a dois passos de nós.
Com esta despretensiosa narração de alguns episódios da guerra de minas, quisemos demonstrar como o trabalho do Mergulhador-Sapador é movimentado, diverso, algo perigoso e contudo, sempre interessante.»
Mais uma história cheia de interesse. Obrigado pela divulgação...
ResponderEliminarLuís Miguel Correia
Esta história diz-me muito porque no curso TAS que tirei em Inglaterra aprendi minas e suas contramedidas, incluindo inactivação, que me fascinava e efectuei em mina de exercício, mas que nunca tive oportunidade de efectuar em mina de combate.
ResponderEliminarRecordo a grande regra de segurança: Be aware of booby traps (cuidado com armadilhas disfarçadas nas minas).
Coube-me depois organizar e ministrar instrução de demolições aos cursos de Armas Submarinas que organizei e instrui em Vila Franca.
Os cursos incluíam um curto estágio de prática de demolições, cujo ensino e concretização era, no meu tempo, sempre entregue à alta competência técnica do então Ten. Alpoim Calvão.
Daqui lhe envio os meus Parabéns por nos proporcionar a leitura destes episódios e um Grande Abraço.
E ao autor do blog, por, a despeito dos seus deveres profissionais, ter tempo e entusiasmo para o organizar, investigar e nos disponibilizar este espaço de eleição.
António Nunes da Silva